«Foi o ano passado que Maria Paula Diogo e Ana Simões – ambas coordenadoras do Centro Interuniversitário de História das Ciências e da Tecnologia (CIUHCT) –, bem como investigadores internacionais, se colocaram no lugar de um Peter Schlemihl viajante no tempo. “Como interpretaria ele objectos desconhecidos, por exemplo um saco de plástico pendurado numa árvore?”, pergunta ao PÚBLICO Maria Paula Diogo, também da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa.
A resposta está no diário que a equipa concebeu no ano passado no âmbito do “Anthropocene Curriculum”, um projecto educacional de debate sobre o Antropoceno promovido, desde 2014, pelo Instituto Max Planck para a História da Ciência, em Berlim, Alemanha. “Exploro o desconhecido, e cedo compreendo que muitas espécies habitam este surpreendente novo mundo”, afirma nesse diário o imaginário Peter Schlemihl. E, com os seus “olhos de botânico”, tenta classificar o que vê: chama Metalica rhinoceros aos carros, comparando-os a rinocerontes, e Mosca majora a um helicóptero, que lhe parece um “enorme e rápido insecto voador”. E as bicicletas são Metalica hippos, descritos como “rebanhos de uma nova espécie de cavalos selvagens”, que, acrescenta, “são provavelmente perigosos, pois estão frequentemente algemados [com cadeados].”
Esta nova forma de olhar para os objectos modernos é, explicam as investigadoras portuguesas, uma reflexão sobre o “borrão” em que o Antropoceno transformou o mundo: “O que é realmente natural num mundo profundamente moldado pela humanidade e, ao mesmo tempo, adaptado à tecnologia?”, perguntam na esperança de que alguém se junte a elas num debate que consideram urgente.
A expressão “Antropoceno” é atribuída ao químico e prémio Nobel Paul Crutzen, que a propôs durante uma conferência em 2000, ao mesmo tempo que anunciou o fim do Holoceno – a época geológica em que os seres humanos se encontram há cerca de 12 mil anos, segundo a União Internacional das Ciências Geológicas (UICG), a entidade que define as unidades de tempo geológicas.
Mas o que é exactamente o Antropoceno e por que está a receber tanta atenção? É, como o nome antecipa, a época dos humanos. A nossa espécie está a deixar marcas na Terra.
Estamos a falar de fenómenos registados em gráficos como a curva de Keeling – que mostra a concentração de dióxido de carbono na atmosfera terrestre – e que, em 2016, atingiu um valor recorde (403 partes por milhão, ou seja por cada milhão de moléculas na atmosfera há agora 403 de dióxido de carbono). Ou como os microplásticos nos oceanos, que não só prejudicam os ecossistemas marinhos como acabam, a certa altura, no nosso prato – numa demonstração de como o feitiço se pode virar contra o feiticeiro.
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A verdade é que os humanos não são os primeiros seres vivos a alterar o planeta: o surgimento de oxigénio na atmosfera, que nos permite respirar, deve-se à fotossíntese feita pelas cianobactérias há mais de 2000 milhões de anos. Mas e se formos os últimos? “Estamos a transformar a Terra em Vénus”, alerta Jürgen Renn, referindo-se ao planeta vizinho que tem uma atmosfera muito densa, predominantemente constituída por dióxido de carbono, com um efeito de estufa infernal. E a Terra – conhecida como o planeta azul – poderá um dia dar lugar a uma paisagem desértica e poeirenta. A pergunta, sugere Maria Paula Diogo, que se impõe é: “Começamos a pensar em soluções para fora do planeta, mas não será mais relevante pensarmos como resolver os problemas que temos hoje, na Terra?”»
in https://www.publico.pt/2017/12/02/ciencia/noticia/antropoceno-e-se-formos-os-ultimos-seres-vivos-a-alterar-a-terra-1794551
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